domingo, 12 de julho de 2009

 
Legalização do Bingo
Publicado por Tht em 04/7/2009 (139 leituras)
Legalização do Bingo
Dom Eugenio de Araujo Sales
Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro

No dia 18 de junho último, a imprensa noticiou com destaque: “Comissão da Câmara aprova legalização do bingo”, e comentava o texto aprovado que o projeto original, de autoria do deputado Antônio Carlos Mendes Thame (PSDB-SP), previa o contrário, ou seja, a proibição. “O lobby pró-bingo fez com que a proposta de Thame fosse integralmente modificada e proposições a favor fossem incorporadas ao substitutivo. Oficialmente, o tucano é o autor do projeto que ressuscita o bingo – Diz ele que o bingo é vício, é doença, uma vergonha nacional. Não gostaria ter meu nome associado a isso. Se essa lei for sancionada, aparecerei como autor desse vexame, afirma ele”.

Incrível a força da mentira e a fecundidade da desfaçatez! Não possuem vigor próprio, mas se prevalecem da fraqueza alheia para alcançar seus feitos danosos. O poder deve ser inerente à verdade. Entretanto, a limitação humana na inteligência e na vontade debilita-lhe a intensidade na atuação.

Às vezes a divulgação do erro é consequência de causas internas. Assim, alguém eivado de tara sexual ou anestesiado por um amoralismo na vida, insurge-se contra tudo quanto restringe ou prejudica suas anormalidades ou viver aético.

Tal aberração vem se manifestando, com frequência, num plano bem elaborado em favor da liberação do jogo, em particular, dos bingos.

Apregoam-se falsidades, meias verdades, com tal desenvoltura que leva os menos avisados a lhes darem crédito. E a opinião pública, sensível a esse tipo de propaganda e argumentação falaciosa, é afetada pela própria limitação ou deturpação de raciocínio, tomando rumos errados.

A matéria pertence, nitidamente, ao campo dos grandes interesses financeiros. O ouro abundante torna ainda mais débeis os fracos. O viciado pela própria patologia e o explorador – único beneficiário da jogatina – facilmente se fazem ardorosos defensores. O primeiro, cego pelo vício, é insensível à luz de um raciocínio correto e objetivo. O segundo envida todos os esforços para favorecer seus negócios ilícitos. Contudo, vale a pena escrever sobre o assunto, pois nem todo brasileiro é dominado por esse vírus, nem participa dos lucros obtidos à custa da fraqueza do próximo; muito menos faz parte da máfia internacional que atua nesse terreno.

O fluxo de multidões, segundo o conceito moderno de turismo, não se orienta para o que gera excitação, mas sim, o relax, fator importante na vida hodierna. Isso ocorre nos países mais ricos, exatamente onde está a força para um aumento dos ingressos da moeda mais forte.

A evasão de divisas ocasionada pelo viciado em jogo que busca o estrangeiro será ampliada. São até multinacionais estrangeiras que controlam certos estabelecimentos, e ninguém impedirá que haja ainda maior transferência de nossas poupanças para o exterior.

Poderia continuar a apresentar dados sobre a proporção dos impostos e os gastos com a repressão às atividades criminosas que acompanham a jogatina; mostrar que a aceitação pública não extinguirá a tavolagem clandestina e o suborno, como a existência da loto, as “raspadinhas”, as loterias, e sem esquecer o popular, mas danoso “jogo do bicho”, não justificam a ampliação do mal. Não se trata de saber se o jogo entre nós já é uma realidade clandestina ou ostensiva e que importa, assim, regulamentar, com vantagens econômicas, fiscais ou sociais.

Uma série de falsidades seriam alinhadas. Creio, entretanto, que o assunto pede outra perspectiva. O jogo, antes de ser contravenção, é um vício. Aí está o centro da questão, que deve ser situado no nível dos valores morais. Trata-se de conferir ao mal a respeitabilidade legal. Colocado nesses termos, jamais a oficialização do jogo deixaria de ser um dos maiores contributos na corrosão da consciência ética de um povo.

Na escalada da imoralidade que agride a sensibilidade desta Nação, constituiria mais outra melancólica vitória, cuja maior vítima seria, de fato, a nossa gente.

Quando a população da velha Roma pagã chegava aos níveis mais baixos da degradação, emasculada pela riqueza provinda dos saques e pilhagens de países conquistados, clamava exigindo dos Imperadores “panem et circenses”, “pão e circo”. Pão para matar a fome e circo para matar o tédio, nos espetáculos sangrentos dos gladiadores.

Hoje, agora, ouço rumores semelhantes, ruído de festas, assemelhadas às daquele período da História, vozes que propõem o jogo, ao mesmo tempo em que há clamores dos que pedem pão para matar a fome. Não se alimenta um povo abrindo as portas à jogatina. Temos o direito ao lazer, mas há outras formas nobres e sadias.

O Catecismo da Igreja Católica (nº 2413) assim trata do assunto: “Os jogos de azar e as apostas não são, em si mesmos, contrários à justiça. Mas tornam-se moralmente inaceitáveis, quando privam a pessoa do que lhe é necessário para as suas necessidades e as de outrem. A paixão do jogo pode tornar-se uma grave servidão. Apostar injustamente ou fazer batota nos jogos constitui matéria grave, a menos que o prejuízo causado seja tão leve que quem o sofre não possa razoavelmente considerá-lo significativo”.

Renovo aqui um veemente apelo ao patriotismo de todos os responsáveis pelos destinos do Brasil. Registro mais uma vez a advertência que fiz em outra ocasião: não será com a legalização de jogo que se resolverão os grandes problemas que afligem a nossa querida Pátria.

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